Imagens do subconsciente

Victor Osório
8 min readMar 19, 2024

Para entender esse artigo preciso descrever 2 fatos que me ocorreram esse ano. Vou citar fora de ordem, porque um deles você deve ter visto. Depois vou tentar encontrar no seu subconsciente algumas imagens e só assim poderei discorrer sobre um assunto tão pertinente.

Fato 1

Semana passada me deparei com esse tweet. Não me interessa entrar no mérito do racismo ou misoginia. Alguns dizem que é uma fala fora de contexto e que ele estava respondendo ao racismo.

Semana passada me deparei com esse Tweet na minha timeline. Nenhum contexto, apenas ofensas misóginas de uma pessoa falando com sotaque da Bahia.

Mas se você viu o post, você deve ter reparado em um recorte misógino de alguém com fala marcadamente nordestina. Publicações como essas conversam diretamente com o subconsciente da maioria dos sudestinos. Alguns vão justificar que o cara é baiano, que lá na Bahia é assim, etc.

Fato 2

No carnaval fiz uma pequena viagem e estava fazendo uma compra em uma loja de coisas para casa quando alguém chega ao meu lado e fala.

— Pode me ver aquele item. Mas tem algum menos “baiano”?

Eu não me aguentei e iniciei um diálogo.

— Porque a senhora usou a palavra “baiano” para se referir a esse item?

— Porque é feio.

Eu não sou baiano, mas sei que diversas pessoas no interior de São Paulo usa a Bahia como um termo vago se referindo ao nordeste. Nessa hora eu cortei qualquer contato visual com a senhora, estava a ponto de a agredir verbalmente e apenas me referi a vendedora.

— Porque as pessoas usam o termo “baiano” como sinônimo de feio? Elas não percebem como isso é ofensivo e pueril. Só mostra como são ignorantes.

A senhora tentou ir atrás de mim, falou que já tinha ido pra Bahia e lá tinha ótimas praias, mas já estava de saída e a ignorei.

Subconsciente

Tente criar uma imagem na sua cabeça. Imagine uma pessoa que nasceu no Piauí, uma pessoa que nasceu nos EUA e uma pessoa que nasceu na África. Tente criar um currículo dessa pessoa.

  1. Até onde ela estudou?
  2. Que tipos de profissão ela pode ter?
  3. Como ela se comporta profissionalmente?

Você não precisa comentar sobre o que você pensou. Mas, infelizmente, para as pessoas que nasceram nas periferias do “mundo civilizado” alguns sempre falam sobre essas imagens.

Subconsciente e oportunidades

Em 2024 farei 20 anos de mercado de trabalho e o que vou descrever aqui só me foi revelado em 2017. Até 2017 minha carreira estava andando de lado, sempre via obstáculos invisíveis, comentários maldosos que me fazia refletir sobre o que eu estou fazendo de errado. Eu queria ser “o cara legal”, “o profissional proativo” e “o cara que sabe responder todas as perguntas”” , mas em muitos casos ou me tornava “o chato” ou “o inconveniente”. Até que em 2017 me disseram claramente o que estava acontecendo.

Foi em um assédio moral (a empresa onde isso aconteceu não está listada no meu currículo e removi diversas pessoas que me lembram aquela época nessa rede, desculpa) que a pessoa revelou o motivo de eu não crescer. Ela foi direta, disse que não gostava de mim desde que viu meu currículo. MAS quais informações existem no meu currículo?

  1. O lugar que me formei e todos os cursos que fiz
  2. Os lugares que trabalhei
  3. O lugar onde nasci 👈

Foi nesse momento que minha carreira virou e eu comecei finalmente a crescer.

O que eu aprendi naquele dia foi que:

As oportunidades na sua carreira surgem conforme as imagens que os outros tem de você e muitas dessas imagens são moldadas pelo subconsciente.

Aí você deve estar se perguntando em como isso pode ser útil? Certo? Vivemos em uma sociedade em que tudo tem que ser útil e tudo tem que justificado. Então vamos lá! Primeiro precisamos entender como essas imagens no nosso subconsciente se formam, depois como elas são perniciosas a nossa pessoa e as pessoas que nos rodeia e por fim como podemos nos proteger essas imagens.

Como imagens do subconsciente são formadas?

Em 2021 li o livro “Preconceito Linguístico”, que também foi indicação de alguém que estava assistindo o programa do Fato 1, e nesse livro havia uma citação muito interessante sobre a representação do nordestino na cultura popular. Vou aqui citar trechos:

também existe o preconceito contra a fala característica de certas regiões. É um verdadeiro acinte aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala nordestina é retratada nas novelas de televisão, principalmente da Rede Globo. Todo personagem de origem nordestina é, sem exceção, um tipo grotesco, rústico, atrasado, criado para provocar o riso, o escárnio e o deboche dos demais personagens e do espectador. No plano linguístico, atores não nordestinos expressam-se num arremedo de língua que não é falada em lugar nenhum do Brasil, muito menos no Nordeste. (p. 43–44)

Porque o que está em jogo aqui não é a língua, mas a pessoa que fala essa língua e a região geográfica onde essa pessoa vive. Se o Nordeste é “atrasado”, “pobre”, “subdesenvolvido” ou (na melhor das hipóteses) “pitoresco”, então, “naturalmente”, as pessoas que lá nasceram e a língua que elas falam também devem ser consideradas assim…

Ao ler esses 2 trechos logo me lembrei de várias entrevistas de emprego. Em uma a pessoa me perguntou diretamente “como um piauiense entra na Unicamp”, em outra foi um comentário ao olhar meu currículo “para um piauiense você chegou longe” e um outro falou “você é cabra macho então”. Me lembrei que em diversas empresas meu feedback era “precisa melhorar a comunicação” enquanto haviam pessoas extremamente rudes ao meu lado que não recebia o mesmo feedback. Era como se eu fosse o único da equipe que precisasse melhorar a minha comunicação.

O que acontecia era que as pessoas nutriam uma imagem sobre o que eu poderia ser apenas usando os estereótipos construidos pela mídia. Uma vez conversando com uma amiga perguntei quantos “piauienses” ela já viu na TV: nenhum, talvez um porteiro. Ao assistir o excelente filme A Estrada 47 minha esposa pontuou: o piauiense é o covarde.

Filme brasileiro “A Estrada 47”. Excelente filme sobre a participação brasileira na II Guerra Mundial.

Representação é importante porque nossos julgamentos no dia a dia se baseia em elementos da nossa memória. Por exemplo, ao ouvir um baiano falar com seu sotaque sempre lembramos do carnaval. Isso é inevitável! Se conhecemos somente certos tipos de pessoas de certos lugares vamos imaginar que aquele lugar só “produz” aquele tipo de pessoa. Assim chegamos a um naturalismo (sim, estou falando do estilo literário) brutal em que lugares produzem tipos de pessoas, isso tem um nome: preconceito.

Porque o preconceito é ruim?

Preconceito é ruim. Acabou a argumentação racional aqui.

MAS… já que tudo na sociedade contemporânea tem que ter uma utilidade, vamos justificar porque preconceito é ruim.

Preconceitos são, talvez, uma defesa natural que fazia muito sentido 40.000 anos atrás. Se um homo sapiens via um outro homo sapiens diferente, ambos poderiam representar uma ameaça imunológica ao outro. ESSA É A ÚNICA EXPLICAÇÃO POSSÍVEL DE PORQUE PRECONCEITO EXISTE. E, se você reparar, ela não faz sentido desde que o homem estabeleceu complexas rotas de comercio. Você estava vivo em 2020, sabe que um vírus consegue cruzar o mundo em 2 meses.

MAS o preconceito pode nos deixar desprotegido daquilo que realmente estamos procurando proteção. Não sei que estereótipo você criou para o americano e para o africano, mas já parou para pensar que é mais provável você encontrar um americano red-neck fundamentalista que não sabem nem onde fica o Brasil? Esses tipos existem e muitos veem ao Brasil em busca daquilo que seu país não oferece: carnaval. Já o africano quando vem pra cá busca também aquilo que seu país não oferece: oportunidade.

O que é melhor para quem está contratando?

As pessoas sempre buscas e aceitam as melhores oportunidades que lhe são oferecidas. Isso significa que você tem que perguntar para pessoa o que ela está procurando. Eu já conheci americanos que vieram ao Brasil atrás de festas, literalmente falavam isso (exceto pelo pequeno intervalo de tempo entre 2009 e 2013 em que o Brasil era um dos grande países do mundo). Mas eu nunca conheci um nordestino que veio para o sudeste atrás de vagabundagem, e olha que já conheci algumas centenas de nordestinos.

Logo, pensamentos depreciativos sobre outras pessoas devem ser evitados a qualquer custo. Nunca devemos assumir julgamentos sobre o que os outros pensam sobre determinados assuntos ou quais são os objetivos de vida das pessoas. Uma vez topei com uma ex-gerente em que ao eu simplesmente dar “oi” ela me responde “achei que você tinha voltado pro nordeste”. Na mente dela, antes de responder o “oi” ela tinha que explicar porque não ia responder, pois “eu não era alguém que ficaria aqui por muito tempo”. Sim, não faz sentido.

Como podemos nos proteger do preconceito?

Agora vou descrever o grande segredo que aprendi em 2017. Vou fazer uma lista e discorrer sobre eles, pois foi depois de assumir essa postura que consegui me preservar e crescer profissionalmente

  1. Dê intimidade apenas a quem demonstra aceitação a sua pessoa
  2. Mantenha uma postura profissional e respeitosa em qualquer situação
  3. Evite comentários fora do contexto profissional

Eu sei que essas dicas do ponto de vista pessoal são péssimas. Eu mesmo gostaria de ser amigo de todos, de me dar ao luxo de falar bobeira e fazer comentários sobre música e bebidas (um dos meu hobbies é tomar um bom vinho). Mas devemos ser pragmáticos!

Os estereótipos dizem para pessoas preconceituosas que nós não somos profissionais, mas os outros são. Devemos criar uma imagem que nos blinde do preconceito. Um comentário me marcou muito no passado: um paulista de havaianas é um bon-vivant, praieiro, surfista, etc… já um nordestino é um folgado.

Podemos ter amigos no nosso trabalho, mas não podemos escolher o que os outros falam sobre a nossa pessoa. Todo cuidado é pouco, mas é preciso lembrar que nosso trabalho não é nossa vida. Podemos escolher amigos para a vida e colegas de trabalho, mas sempre sabendo se comportar conforme o ambiente.

Ao aprender essa regra comecei a me atentar também para a forma que me vestia. Sempre que vou a um escritório, prefiro roupas que corroborem com a minha imagem profissional porque, infelizmente, não posso controlar o que os outros dizem.

Nesses 20 anos de caminhada profissional foram poucas as pessoas que me deram bons conselhos sobre como me comportar, em muitos casos as pessoas mais me cobravam comportamentos que me aconselhavam. Já tive que ouvir “você não ouve”, “você é muito crítico” ou “você não é grato” enquanto eu me comportava como os outros.

Por muitos anos achei que eu era o problema, mas eu era apenas um jovem navegando por mares turbulentos sem ninguém para me avisar dos perigos que me aguardavam.

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Victor Osório

Senior Software Engineer@Openet | Java | Software Architect | Technology | Society