Destravando o crescimento

Victor Osório
8 min readApr 26, 2021

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Lendo o livro A Arte da Gestão, reparei com um tópico um tanto interessante e a qual discordo do autor. Na verdade parece não ser a opinião da autora do livro, mas uma sessão com opinião de um outro CTO.

Eles tentam identificar o que é um profissional com potencial. Segundo ele, um profissional com potencial pode ser identificado rapidamente pelo seu grande rendimento. Ao líder, também, deve-se o trabalho de filtrar suas opiniões pessoais, muitas vezes um líder espera potencial pela aparência ou pela amizade. Mas o potencial tem a ver com o rendimento mostrado pelo trabalho.

O que eu discordo?

Eu não vou discordar desses líderes ou CTOs, mas percebemos logo que o compromisso deles é com a empresa e não com o crescimento do profissional sub sua tutela. Porque? Porque muitas vezes um profissional com real potencial não sabe como crescer e ser produtivo. Não julgo de forma alguma a análise do livro, são contextos diferentes.

Mas levanto as perguntas: Porque um profissional não cresce? Porque um profissional tem um rendimento inferior ao seu potencial? Quais são os fatores que o levam ao nanismo profissional?

Vamos tentar esboçar alguns fatores. Sempre fugindo ao máximo do discurso do “empreendedorismo” ou do “coaching”. Vou tentar dar exemplos práticos.

Falta de foco

Ter foco é prioritário para um profissional. Você deve ter em mente o que você deseja ser. Como você se vê daqui a 5 anos? Ou daqui a 20 anos? Você precisa escolher qual o papel você vai querer ter em um projeto ou empresa, quais tecnologias vai ser uma referência?

Eu escolhi muitos anos atrás que queria ser um Arquiteto de
Software, isso me levou a várias escolhas para conhecer vários estilos arquiteturais diferentes. A trabalhar com algumas linguagens diferentes, experimentei o Node.js, nunca perdi o meu conhecimento em C/C++ e sempre me mantive relativamente atualizado em Java.

Mas essa minha escolha me fez ter um ponto cego que me custou uns anos de nanismo, eu não foquei em Java. Ao tentar conhecer várias tecnologias eu não percebi que ignorava uma grande parte do mundo Java. Isso era falta de foco (também tinha outro fator que vou detalhar mais a frente). Você deve ter em mente que aquilo que você deseja ser referência, você deve conhecer plenamente. Ler sobre o assunto se informar.

Vou dar um exemplo do meu dia a dia. Eu já sou, e quero continuar sendo, referência em Java. Mas como a roda está girando muito rápido, tenho perdido alguns dos itens com o qual não tenho muito contato. Um exemplo deles é o Panache. Eu sei onde é usado, mas preciso ler e fazer uma POC focando em: como usar, pra que usar e quando usar.

Isso é ter foco! Eu poderia ter colocado na minha lista de pendências aprender uma nova base de dados, mas os frameworks da minha linguagem escolhida tem prioridade, mesmo que eu deseje muito aprender outras coisas.

Falta de referências

Outro fator que leva ao nanismo é a falta de referências. Muitas empresas procuram um grande desenvolvedor jedi, ou rock star, ou algum outro nome da modinha. Muito provavelmente eles estão procurando pessoas que podem sozinhas se resolver, sem uma referência.

Rock star developer

Não precisar de referências é ótimo para empresas. O profissional vai conseguir resolver vários problemas que são complexos. Mas há um perigo nisso. Sem referências, um profissional não saberá o que significa crescer.

Todo desenvolvedor deve ter um referencial, um mentor. Este pode ser feito formalmente ou mesmo pessoalmente. Pode ser feito dentro da empresa ou por alguém externo. Procure no Twitter um profissional que você consideram mais sênior que você e ligue o “sininho” para estar sempre atento ao que ele compartilha. Se você tem “cara de pau”, envia uma mensagem para conversar com ele.

Agora porque é preciso ter um referencial? Porque sempre temos pontos cegos em nós mesmo. Foi por isso que eu não percebi que não estava me dedicando muito ao Java, eu era o Jedi das empresas que eu passei, mas eu não crescia muito. Sempre estava rodando em círculos por falta de não conhecer Java EE, até que alguém me deu a dica e me explicou o porque eu deveria me dedicar a aprender.

Eu ainda tenho várias pendências no mundo Java e com o Kafka, minhas duas âncoras de carreira. Mas aos poucos eu estou resolvendo essas pendências, mas com a ajuda de uma pessoa mais experiente, eu pude esses dias fazer uma escolha arquitetural que eu nunca faria.

Lembre-se que se você tem um mentor fora da sua empresa, você tem que assegurar a confidencialidade do seu projeto. Não compartilhe informações confidenciais! Sempre crie hipóteses ou POCs desatreladas ao modelo de negócios ou projeto da sua empresa.

Falta de sintonia

O mundo da tecnologia é muitas vezes focado na tecnologia. As empresas são focadas no seu próprio negócio. Cada um está dançando a própria dança e pode ser que essas danças estejam de sincronizadas.

Um profissional vai crescer em uma empresa. Você pode até tentar ficar pulando de empresa em empresa, mas um dia você vai se encontrar com um antigo gerente que será taxativo: não vai ficar 6 meses aqui! Logo para crescer dentro da empresa, você tem que entregar valor para a empresa. E como entregar valor?

Para entregar valor para sua empresa você precisa conhecer o modelo de negócios dela. Deve também conhecer quais são os planos futuros dela. Muitos gerentes não compartilham isso, mas você pode perguntar.

Estar em sintonia com a empresa vai te permitir saber os meandros de como crescer dentro dela. Vai te permitir também saber quais tecnologias são adequadas para a empresa.

Aqui deixo uma dica: não se deixe levar pelo hype. Você pode até achar bem interessante migrar toda a base de código da sua empresa para microsserviços. Mas e se a empresa nunca tiver expectativa de muitos usuários? Ou se houver atividades muito mais prioritárias? Você deve conhecer isso e demonstrar que conhece.

Falta de visibilidade

O outro ponto que pode destravar o seu crescimento é a falta de visibilidade de quem você é. Viver em um pais latino tem muitas vantagens, temos uma rede relacional excepcional e Happy Hours fantásticos! Mas… a cultura latina tem em sua bases as amizades. Assim mesmo em empresas grandes, as avaliações são mais benéficas para amigos.

Mas como podemos potencializar a nossa visibilidade? Precisamos conversar, ajudar e compartilhar. Essas três atitudes são minha base na minha atual empresa.

Eu estou sempre conversando com as pessoas que eu trabalho. Pergunto se a pessoa está entendendo tudo que estamos discutindo. A conversa as vezes vai para o lado pessoal (somos latinos e não saxões) e volta para o profissional. Isso me deixa mais conhecido dentro da empresa e será positivo em uma avaliação 360º.

Sempre estou disposto a ajudar. Se alguém não está conseguindo fazer algo, ligue para ela e acompanhe o processo, reserve um tempo na sua agenda para ajudar os outros. Isso é muito bem visto pelos superiores. Você além de produzir, pode destravar a produção da sua equipe. Isso também será positivo em uma avaliação 360º.

E por fim compartilhe! Se você conversa e ajuda, você terá uma leve noção de quais conhecimentos falta no seu departamento. E se você preparasse uma pequena apresentação sobre o assunto? Proponha isso para o seu gestor. Identifique o lapso e proponha um tempo de compartilhamento. Isso vai mostrar ao seu gestor que você está preocupado com a equipe dele. Além disso, quando alguém superior precisar de uma referência sobre o assunto, seu nome será ventilado em outros níveis.

Eu tive um grande oportunidade que me abriu outra grande oportunidade por compartilhar. Dei uma palestra sobre Docker e outra sobre Kubernetes para a equipe do escritório de São Paulo. Quando um diretor foi construir a política de DevOps da empresa, ele passou horas conversando comigo para esclarecer as dúvidas. E isso possibilitou que eu fosse conhecido e pudesse propor mudar para uma outra área. Conversar, compartilhar e ajudar abrem portas.

Falta de desafios

Outro fator que pode destravar o crescimento é a exposição ao desafio. É comum em algumas empresas que o desafio é dado para alguns. Aos outros resta apenas fazer a mesma coisa sempre. Eu fiquei nesse poço de estagnação por muitos anos e te digo uma coisa: é confortável.

Mas como isso pode acontecer? Vamos supor um profissional que é muito bom em criar CRUDs. Ele consegue produzir código com uma velocidade enorme. Logo todas as atividades de criar CRUDs vão para ele, e ele é especialista nisso. Mas qual as outras atividades que ele pode desempenhar? Qual será os desafios que investigar bugs em produção podem trazer a essa profissional? E se ele investisse um tempo em otimizar, refatorar ou criar testes de performance?

O que vai te fazer crescer tecnicamente não são as leituras que você faz, mas a aplicação do que você leu na prática.

Planta só cresce em solo apropriado

Outro ponto que pode estar travando seu crescimento, é saber se você está em um local apropriado para crescer. Aqui não tem dicas, você deve buscar a resposta.

Para procurar a resposta você pode se fazer as seguintes perguntas:

  • Sua empresa tem espaço para você crescer?
  • Qual é o processo de avaliação da sua empresa?
  • Qual é o seu relacionamento com os seus superiores?

Responda a essas perguntas e avalie a sua situação. Será que você consegue crescer onde está? O que você pode mudar para crescer?

Eu conheço pessoas que já conseguiram criar uma área dentro da empresa. Outra que criou um produto e ajudou a empresa a crescer. Cada um vai encontrar a sua própria resposta.

O que deu certo, pode não dar certo

É bem comum vermos no Twitter ou Youtube, profissionais dando dicas de como crescer. Eu não quero ser um desses. Creio que cada indivíduo é único e que há situações e situações.

Uma das falácias que precisamos destruir antes de continuar é dizer que o que deu certo pra mim, pode não dar certo pra você. E o contrário também é válido. O que não deu certo pra mim, pode dar certo pra você. Mas como avaliar isso?

Sempre temos que olhar quais ventos estão soprando. Cada um vive sua própria realidade. E como diria Bob Dylan: A resposta, meu amigo, está soprando ao vento.

Conclusão

Eu creio que todo profissional tem potencial. Pode ser que a pessoa esteja má alocada, fazendo a coisas errada. Ou pode ser que ela simplesmente não saiba como crescer.

Eu já vivi isso por um tempo. Cai no poço da estagnação por 6 anos, depois fui o rock star por uns 3 anos de uma startup que não deu certo. Mas nos últimos 7 anos eu pude me colocar em uma ascendente positiva, onde só agora estou colhendo os frutos.

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Victor Osório
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Written by Victor Osório

Senior Software Engineer@Openet | Java | Software Architect | Technology | Society

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