Como sobreviver nas redes sociais

Victor Osório
11 min readJan 15, 2022

--

Eu não sei quando você nasceu. Eu nasci em 1983 e tinha 17 anos quando entramos no ano 2000. O mundo era radicalmente diferente.

Uma mesa com comida e vinho é a rede social mais antiga da humanidade.

A diferença no mundo não é estética. O mundo ainda é o mesmo quando falamos de arquitetura, carros, música ou arte. Se qualquer um desses artefatos entrarem numa máquina do tempo e saírem na virada dos anos 2000, ninguém vai estranhar. Mas também não espere que as pessoas achem linda sua calça skinny.

O que mudou foi a dinâmica das relações entre as pessoas e das pessoas com a sociedade. Sua vida seria muito diferente se você estivesse no ano 2000, pois naquela época os meios de comunicação era muito diferentes. Existia a internet, mas ela não era onipresente e os contatos entre pessoas eram feitos um a um sem o famoso algoritmo.

As mudanças que aconteceram foram boas e ruins. Na minha opinião, no geral, o mundo do ano 2022 é muito pior do que o ano de 2002, mas as redes sociais trouxeram também algum avanço. Elas são apenas instrumentos mau regulados, podem ser usado para o bem ou para o mal.

Uma sociedade sempre produz uma cultura, e essa cultura vai ditar como as pessoas interagem com alguns meios. O que estamos vivendo hoje é uma adaptação das placas tectônicas sociais para o novo mundo das redes sociais. Nós precisamos aprender a conviver com elas, precisamos aprender a como interagir e como não interagir.

Novas tecnologias surgem e mudam a sociedade, mas elas só podem ser combatidas por duas forças que existem na sociedade: regulamentação estatal e opinião pública. Como eu não posso produzir nenhuma regulamentação (e nem acho que teria efeito), vou fazer meu pequeno movimento para mudar a sua opinião sobre como interagir em redes sociais. Quero propor alguns pontos que você possa refletir. Esse é um debate e não uma imposição, caso você não concorde, entre em contato comigo.

Redes de apoio versus redes de radicalização

Redes sociais são mediadas por algoritmos. O ideal seria que toda rede social fosse aberta e não interferisse na ordem e visibilidade das mensagens e propagandas. Mas não é isso que acontece.

Quando você abre o Twitter, sua timeline não reflete a ordem cronológica das mensagens enviadas pelas pessoas que você segue. É bem comum você ver tweets que são colocados juntos, assuntos que aparecem na sua timeline ou mesmo indicações para seguir pessoas que você nunca imaginou existir.

É nesse ponto que podemos falar que você tem uma bolha. Ela é somente sua. Ninguém mais tem essa bolha, pois nenhuma timeline é igual a outra. Esse fato é radicalmente novo na história, passamos os últimos 100 anos acostumados com comunicação de massa e agora temos um meio de comunicação exclusivo. Isso pode ser bom ou ruim, depende de como é a sua bolha.

Bolhas são construidas a partir das pessoas que você segue e dos assuntos que você interagem. Você pode construir redes de apoio, que vão te tornar uma pessoa melhor. Essas redes eu caracterizaria como redes onde você pode se expor saudavelmente (cuidado ao se expor, privacidade ainda é importante) sem que ninguém lhe jogo pra baixo ou faça chacota de você.

Ou você pode construir redes de radicalização. Essas redes são caracterizadas por pessoas que vão conhecer suas frustrações e usar elas para interesses escusos.

Quer um exemplo? Imagine um cidadão branco de classe média que não cresceu na carreira o quanto imaginava. Ele tem duas opções: ou vai buscar ajuda para tentar se alinhar ao que o mercado de trabalho espera dele ou ele vai se radicalizar acreditando que foi a ascensão de um outro grupo social que retirou dele as oportunidades.

Eu sempre me coloquei nas redes sociais tentando evitar que a segunda situação aconteça. Nas minhas mentorias já conversei com inúmeras pessoas frustradas porque não crescem que não sabem como fazer isso. E a surpresa deles é enorme ao saber que alguns pequenos ajustes podem destravar esse crescimento.

Redes de apoio não devem incentivar o ódio ou explicações simples. Devem valorizar o crescimento pessoal, a interação entre diversos grupos sociais, o respeito mútuo e a ética ao dialogar. Redes de ódio capturam o indivíduo em uma espiral destrutiva em que ele só vai crescer dentro daquela rede, fora dele ele é pior do que era anteriormente.

Isolamento cultural, ou a bolha

Essas bolhas, sendo rede de apoio ou radicalização, também tem um outro efeito, o isolamento. É muito comum que uma bolha tem as mesmas influências culturais.

Na verdade o que acontece é o contrário. Quando o Facebook iniciou a usar sua famosa Graph API, era possível fazer o download de todas as informações de um usuário (não eram vazamentos, os dados eram dados pelos usuários em troca de um teste de personalidade). Uma empresa fez o cruzamento desses dados para conseguir identificar as bolhas. Assim nasceu o esquema criminoso chamado Cambridge Analytica. Eu não estou querendo falar das implicações políticas disso, mas de como essa bolha cultural se intensificou.

Não é raros sermos surpreendidos com o artista desconhecido mais tocado no Brasil. Isso acontece o tempo todo comigo. Se você não é da minha bolha cultural, tente assistir a entrevista do Fernando Anitelli ao PodCast de Música e se surpreenda como eles mesmo ainda são altamente influentes (talvez não na sua bolha). É uma entrevista maravilhosa que vai mostrar como existem algumas pessoas que andam marginalizados dentro das redes sociais e da mídia, mas mesmo assim tem um grande público. Aliás, fui num show deles no Festival de Inverno de Pedro II em 2018 e ele sozinho com o violão hipnotizou um publico que foi assistir o Fagner.

Eu usei a música para ilustrar, mas esse isolamento acontece em vários outros pontos. E ele é nocivo quando falamos de influências literárias/filosóficas. Quando alguém quer te prender a bolha, a primeira coisa que ele vai fazer é te fechar na bolha. Vai tentar lhe indicar livros sobre o que as pessoas da sua bolha interpretam das ideias de fora da bolha.

Para que você sobreviva as bolhas, tente furar as bolhas. Tente consumir algo de fora, mas sempre sabendo que se a pessoa quer te aprisionar, você tem que ter muito cuidado.

Ódio basal

Redes sociais vivem de interações. Se todos parassem de mandar mensagens em uma determinada rede, é bem provável que ela entrasse em colapso em menos de uma semana. Mas como as redes mantém as pessoas interagindo? A resposta está no algoritmo.

Toda rede social modera as mensagens que vão para os usuários. Isso significa que a sua timeline não é uma linha do tempo como o nome sugere. Ela é a ordenação de mensagens que maximiza o seu tempo na rede social. Já existem alguns estudiosos chamando essa fase do capitalismo de Capitalismo de Atenção, ou Capitalismo de Vigilância. Dois anos atrás eu escrevi sobre como o Facebook evoluiu e como o seu algoritmo foi desenhado, creio que a leitura ainda vale a pena.

Se o algoritmo tenta manter você engajado, você sabe qual é o sentimento que mais engaja? O ódio! Os mais velhos vão lembrar de quando o Facebook substituiu o Like por vários sentimentos.

Ódio gera iteração! Se você vê um post super interessante sobre uma coisa positiva, é bem capaz de esse post ter um impacto positivo em você, mas você não produza conteúdo. Mas se você ver um post que te causa repulsa, é bem provável que você vá comentar. Ódio é o que move as redes e você deve evitar eles.

Se você não gosta de um determinado conteúdo, simplesmente silencie o conteúdo. Se você não gosta de uma pessoa (ok, em 2022 é possível não suportar alguém), silencie ou bloqueie ela. Eu mesmo tenho uma lista de pessoas bloqueadas. São indivíduos que tentam manipular a sua bolha para que seus interesses políticos sejam alcançados. Ao não ver o conteúdo deles, eu mantenho a minha sanidade mental.

Se você quiser fazer uma apoplética das suas ideias, nunca faça no conteúdo direto da pessoa. Use um print, evite interagir ou mesmo comentar.

Se você sente esse ódio, recomendo usar um tempo fora das redes. Tente sair da sua casa. Caminhar ouvindo música. Se precisar eu até criei uma playlist que foge completamente do mainstream. Espero que ela diminua seus níveis de ódio.

Interação com o mundo real

A vida em bolhas é um constante eco. Opiniões divergentes são automaticamente excluída das bolhas, ou pelo algoritmo ou pela própria pressão social.

Quando se olha de fora de uma bolha pode parecer um absurdo as pessoas acreditarem em certas opiniões. Mas o que acontece é que essas pessoas estão cercadas de meios que confirma a sua própria realidade. As redes sociais distorcem a realidade através das bolhas.

Vamos supor um indivíduo que acredita em uma conspiração internacional que criou uma pandemia para instaurar um sistema social e econômico. Se você tem contato com qualquer pessoa que entende de relações internacionais ou epidemias, vai saber que é uma conspiração. Mas as pessoas que acreditam nessa conspiração já perderam o contato com qualquer meio externo ao circulo deles.

É preciso refletir sobre como isso aconteceu. Pessoas que só leem um jornal, só confiam em um canal de TV ou só consomem noticias através de grupos de aplicativos. Essas pessoas delegaram o contato com a realidade a um grupo coordenado, elas estão ativamente escolhendo não ter contato com a realidade.

Eu tento relativizar a culpa individual dessas pessoas e olhar para conspirações externas. Se você quiser entender melhor, recomendo o livro “Os engenheiros do caos”. Esse livro vai mostrar uma linha histórica de fatos e eventos que comprovam a teoria de que existe um grupo conspirando para transformar a realidade. Talvez você não consiga entender como eles colocam em prática sua ideia, por isso tenho que recomendar outro livro “Algoritmos de Destruição em Massa”.

Não que eu acredite que tudo na história dos últimos 20 anos possam ser resumidos a teorias da conspiração, mas existe um núcleo conspirando ele, felizmente, ele está perdendo espaço.

Então como podemos entrar em contato com a realidade? Primeiro precisamos definir o que é realidade! Realidade é quando os fatos fazem sentido, todos os fatos! Realidades alternativas não são realidades, são apenas visões parciais, manipuladas ou não, da verdade. Existe uma verdade, existe um mundo concreto fora da nossa cabeça, só nos resta alcança-lo.

Diálogo

Ficou uma pergunta no ar. Como ter contato com a realidade? Eu poderia responder essa pergunta com uma única resposta: diálogo.

Diálogo é uma habilidade perdida no tempo. Dizem que os antigos sabiam dialogar, eu tenho minhas dúvidas. Mas se comparar o hoje com o passado, podemos afirmar categoricamente que nossos antepassados dialogavam melhor.

Diálogo é construido na base do argumento e contra argumento. Um diálogo não pressupões que ambos os lados vão alinhar os pontos de vistas. Mas no fim de um diálogo ambos os lados podem chegar num denominador comum ou compreender um ao outro.

Se um dos lados tenta impor a sua verdade sem ouvir o outro lado, não há diálogo. E esse é o ponto que erramos na última década. É bem capaz de você pensar que vou apontar o dedo pro lado direito da política, certo? Errado! Eu falo desde 2008 que a esquerda tem jogado a direita para o colo do extremismo por não saber dialogar.

Não estou assumindo que um lado ou outro tem culpa, estou assumindo que não temos habilidade. Quero trazer outra perspectiva!

Quando entramos em um diálogo e não conseguimos entender o ponto de vista do outro, pode ser que ele seja extremamente irracional. Talvez ele esteja pensando com o pâncreas, como os Vogons em O Guia dos Mochileiros das Galáxias. Se você acha que eu estou viajando completamente, lhe recomendo ler o livro A Mente Moralista, em uma série de estudos sobre ética e psicologia o autor traça como fazemos nossas escolhas e os estudos demonstram que não somos tão racionais assim, como o autor desejava.

Nossas escolhas são feitas mais pelas nossas paixões que pelo nosso cérebro. É como um ginete controlando um elefante, enquanto o elefante estiver calmo, o ginete vai controlar, se o elefante perder o controle de si, ninguém o controla. Assim são nossas emoções e nossa razão.

Então quando estamos dialogando, temos que entender alguns pontos sensíveis que tocam nas emoções do outro. O diálogo é sempre guiado pelo outro, é melhor ganhar o outro do que ganhar o debate. E é nesse ponto que volto ao debate político da última década. Um lado entendeu que a moralidade brasileira mudou e criou dicotomias que o outro lado abraçou irracionalmente. Aborto foi o tema das últimas 3 eleições, mesmo sendo um tema que o executivo tem nenhuma influência, mas é um tema que move as paixões e ajuda a criar uma linha que separa os bons do maus.

Nesse ano de 2022, teremos muito diálogos nas redes, por isso é preciso ter muito cuidado para não cair no bait.

Excitação e cansaço

E por fim chegamos ao nosso último tópico. As redes sociais tendem a nos manter continuamente excitados. Sempre há algo a se fazer, nunca devemos estar satisfeitos.

Algumas pessoas acreditam que isso é fruto da sociedade neoliberal, outros acreditam que não existe sociedade neoliberal. Eu não quero entrar nesse debate. Se você acredita ou não que existe essa discussão, só saiba que até esse debate tende a lhe deixar excitado.

Recomendo a leitura do pequeno livro Sociedade do Cansaço. Não creio que esse seja um grande livro, mas na sociedade de 2022 ele traz grandes revelações.

Esse livro vai parecer bobo para quem viveu a realidade de pequenas cidades onde a vida corre lentamente. Na verdade a vida das grandes cidades corre da mesma forma, mas estamos tão excitados que não conseguimos ver. Temos uma ansiedade que nos cobra constantemente por não estarmos onde as redes sociais nos dizem para estar.

Eu sou uma das pessoas que sempre oferecem uma perspectiva de crescimento. Podemos sim, em poucos anos, estar muito além do que estamos hoje, mas essa evolução tem que ser feita lentamente, passo a passo. Por isso sempre proponho um roteiro, uso no nome roadmap. Não é fazendo um curso que você vai atingir o salário que você deseja.

O seu sucesso vai depender do planejamento e esforço de anos, mas na minha vida de viajante eu aprende que as viagens são mais interessantes quando desfocamos do nosso destino final e começamos a observar o caminho. Aproveite o seu dia a dia, são horas preciosas que nunca serão recuperadas. Só se vive uma vez.

Conclusão

Redes sociais são a maior inovação tecnológica dos últimos 50 anos. Elas permitiram que grupos minoritários pudesse se organizar e criar focos de resistência contra a violência de grupos majoritários. Mas precisamos ter algumas proteções ao lidar com elas.

Espero que você consiga se alguém melhor em 2022.

--

--

Victor Osório

Senior Software Engineer@Openet | Java | Software Architect | Technology | Society