A Sociedade Tecnológica — A Caracterologia da Técnica (I)
Essa é a continuação do resumo do segundo capitulo de The Technological Society de Jacques Ellul.
Conhecendo a história não é possível não tomar partido contra ou a favor de um lado. Fazemos isso consciente ou inconscientemente e o mesmo acontece com a técnica.
A primeira pergunta que devemos fazer é se o desenvolvimento tecnológico hoje é maior que o do passado? Jean Fourastié se pergunta ironicamente se o homem pré-histórico se sentiu tão ameaçado quando viu pela primeira vez uma espada de bronze quanto o homem moderno quando viu a bomba atômica. Isso é uma piada que tem seu fundo de verdade, a espada e a bomba tem seu potencial destrutivo e nós nos sentimos ameaçados por um senso ancestral. A técnica que construiu a espada de bronze é a mesma que construiu a bomba atômica apenas separadas por alguns milênios de evolução.
Em oposição, há a ideia de que estamos vendo um novo fenômeno técnico diferente daquele vivenciado na antiguidade. Esse fenômeno, anunciado por Marx e Engels, mudou tanto em quantitativamente quando qualitativamente.
As pessoas que estudaram esse fenômeno diferenciam o desenvolvimento da técnica em dois tipos: (a) técnicas fundamentais que surgem da relação do homem com seu ambiente e (b) técnicas que são resultado de ciência aplicada.
Técnica na Civilização
Técnicas Tradicionais e Sociedade
Como a técnica foi tratada nas sociedades antigas? Apesar de serem semelhantes no aspecto técnico, não podemos apenas afirmar que a técnica era limitada, precisamos mostrar as quatro caracteristicas dessa limitação.
Primeiro a ténica era aplicada somente em áreas limitadas. Quando se olha as técnicas primitas se vê aplicadas a produção, guerra, caça e bens consumos (roupas e casa) e a mágica. Essas técnicas permeavam a totalidade da vida do povo e tudo era permeado pela mágica também. O mundo não era explicado pela técnica ou ciência, mas pela mágica.
Essas técnicas eram também incorporadas as relações sociais expontâneas. O exemplo dado era da Bee, uma técnica de construção coletiva de casas para novas familias na Nova Inglaterra. O que antes era apenas uma forma de se construir casas se torna um evento considerado o mais divertido do ano na sociedade. As relações sociais e o contato humano tinham precedência sobre a técnica, quer era algo secondário.
Nós como homens modernos olhamos para essa sociedade acreditando que a produção e o consumo coincidiam com o todo da vida, mas o homem era livre da técnica até mesmo no nível individual.
A segunda caracteristica era que o homem tinha controle sobre a sua com a aplicação da técnica e com o trabalho. Para o homem primitivo trabalhar era uma punição e não uma virtude, por isso ele trabalhava somente o necessário para sobreviver, mesmo em detrimento do consumo. Ele não pensava na técnica do trabalho e usava a maior parte do seu tempo para o descanso, o lazer, jogos e, o principal de tudo, meditação. O homem moderno é controlado pelo trabalho e pela técnica, trabalhar é uma obrigação e itens de consumo são obrigatórios em sua vida.
Isso explica porque o homem europeu via os povos escravizados como “preguiçosos”, um europeu moderno também veria um europeu medievo como “preguiçoso”, mas seus valores eram diferentes.
De acordo com o livro Mechanization Takes Command de Sigfried Giedion, a relação com o espaço também era diferente. Hoje nossa ideia de conforto é ter uma casa mobiliada, limpa e com banheiros. Para o homem medieval o seu conceito de conforto envolvia espaço aberto, descanso e lazar. Não envolvia ficar dentro de uma casa rodeado de objetos, mas estar em locais abertos e em contato com pessoas. Não era problema para esse homem ter uma sala completamente vazia.
A relação do homem com seus instrumentos também era diferente. O homem confiava mais nas suas habilidades que em seus instrumentos. A ferramenta aperfeiçoava a habilidade. Hoje a ferramenta é inerente a habilidade, não há habilidade sem a ferramenta.
E há duas formas de ver essa relação com as ferramentas. Quando se tem abundância de ferramentas dando todas as respostas, pouco se tem conhecimento e habilidade sobre elas. Até o século XVIII o homem se procurava a perfeição no uso das ferramentas, depois procurou aperfeicoar as ferramentas.
A terceira caracteristica da técnica tradicional era que as técnicas eram locais e sua transmissão para outras culturas se dava de forma bem lenta. Os grupos sociais eram fortes, fechados a estrangeiros e a comunicação era lenta. Um exemplo é o direito romano que não foi usado além das fronteiras de Roma, mas o código Napoleônico, por ser moderno, foi usado no Japão e na Turquia. A podia ser imitada em outras civilizações, mas eram lentamente e acidentalmente.
Em muitos casos a técnica não era transmitida para outras civilizações porque ela era parte inerente da civilização. Por isso existia uma diversidade maior de técnicas. “A melhor forma” de se fazer algum em uma civilização não era “a melhor forma de se fazer algo” em outra civilização.
Na técnica primitiva havia uma diversidade que hoje não existe e isso não significa que a técnica atual é a mais avançada. A mentalidade moderna tende a pensar nessa fase como uma fase de experimentação, mas isso vem da falsa sensação que somos mais avançados que os povos tradicionais. Hoje a técnica é mais homogênea porque temos uma cultura mais homogênea.
Além da limitação espacial, havia a limitação temporal, podia demorar séculos para que (i) uma invenção fosse largamente utilizada, para (ii) a transição da “diversão” para algo “útil” como a polvora, para (iii) a transição da “mágica” para a “economia” como a domesticação de animais ou simplesmente para (iv) que a ferramenta estivesse satisfatoriamente elaborada. E ainda por cima não havia evidências que a técnica abstrata fosse propagada de uma civilização para outra.
A evolução da técnica não era constante, pois existiam dois problemas a se resolver o primeiro era construir uma máquina e o segundo fazer que ela fosse usada por outra civilização. Porém a evolução da pesquisa era constante. A técnica não invadia a vida física do individuo, mas habilitava o individuo a fazer progresso e facilitava a sua vida. O equilibrio social nunca era ameaçada pelo avanço da técnica.
As ferramentas possuiam uma diversidade muito grande e estavam sujeitas ao conceito estético da civilização, mais do que a eficiência. Um artesão se vangloriava da beleza da ferramenta e o conceito de beleza não era compartilhada entre as civilizações.
No século XIX quando racionalidade e eficiência se tornaram elementos chaves, os individuos tentaram manter seus valores morais e estéticos introduzindo pequenos elementos estéticos que posteriomente foram eliminados em busca de eficiência. Não há espaço para qualquer elemento estético.
O progresso técnico hoje não é condicionada por nada além do próprio calculo de eficiência. Isso elimina o fator que criam diversidade, para cada ferramenta/máquina existem menos tipos e mais precisos.
A quarta caracteristica da técnica era o maior poder de escolha do individuo. Individuos em civilizações antigas tinha mais escolha sobre a forma de vida que podiam levar e essas escolhas eram baseadas em diversas caracteristicas pois não havia a pressão para expansão material.